terça-feira, março 30, 2004

Palimpsesto

Tento raspar-me como velho manuscrito
apagar da vida o que já foi sentido
e reescrever-me no pergaminho
dos caminhos incertos que trilhei.
Balas perdidas acertaram sempre em mim
e mesmo na ausência fui sempre culpado
porque não soube perder nem amar;
(só a vida passou ao lado –
e não adianta chorar do que não sei.)
Reabri a existência lentamente
tentei no palimpsesto ler sobre o passado,
mas nas palavras novas era evidente
que as mesmas coisas faziam o fado
e surgiam os mesmos erros
por todo o lado…

sábado, março 27, 2004

Adimensional

Às vezes ouço o silêncio a pingar. Nunca encontro a torneira para o fechar bem...

domingo, março 21, 2004

O sal da vida causa hipertensão?

Ai a dúvida, a dúvida... Se tudo fossem só certezas que bom que era! Saber sempre qual o caminho, não hesitar nas decisões, ter a certeza do que sentimos. Que bom que era não haver dúvidas! Saberíamos à partida a que costas aportar, com quem deveríamos sempre falar e o exacto momento em que nos iríamos apaixonar. Cairiam cerces à nascença as atracções dúbias, e nunca cometeríamos qualquer erro. Era bom, não era?
...E daí talvez não! São as dores que nos esculpem, as angústias que nos definem, as dúvidas que nos aperfeiçoam! Sem o sal da vida de que tédio seríamos vítimas? É claro que custa não saber, avançar no escuro, cair no erro ou no logro, sofrer. Mas sem a sábia dúvida alguma vez chegaríamos a ser? Se tudo nos fosse apontado não seríamos como títeres de um argumento já lido? Não sei, não sei... só me restam dúvidas acerca disto.

Contradições
Vinde, fracos de espírito,
regalai-vos com o reino dos céus
e com a idiotia de Deus.
Deixem-me a mim os pecados,
as vãs glórias e as tristezas
e ficai com o vazio de emoções.
Basta-me o riso e o choro,
a beleza e a crueldade
do fim de todas as coisas.
Quem quer viver para sempre,
nas rugas do passado se perder,
e olhar o tempo eternamente?
Já outrora disse sim?
Mas não foi já o solo, sol,
e a fruta madura, chão?
Deixem-me enlouquecer,
sossegadamente,
com a minha feroz contradição...

sábado, março 20, 2004

Multiplicidade!

Vejo-nos limitados ao que somos, sem espaço à multiplicidade, ao ser o outro que sou eu. Cingimo-nos ao fato cinzento da rotina dos dias e não ousamos sair dos olhares que os outros nos dirigem - somos sempre os mesmos e como os outros querem!
Porque não romper correntes, largar amarras, sair em órbita tresmalhada para os observadores do lugar comum? Mas é difícil cortar, porque gostamos de alguém ou alguém gosta de nós, porque precisamos de um emprego, porque é mais cómodo assim e é assim que levamos palmadinhas nas costas e festas de aniversário...
Então vamos ser mais suaves e tornemo-nos apenas camaleões de trazer por casa, travestis da palavra que perpassa da mente - ela pode ser quem quiser, incoerente ou trágica, sarcástica ou poética. Inventemo-nos todos os dias em mil de nós, sejamos perplexos, cómicos, anoréticos; bestas ou querubins, palhaços ou vingadores - podemos ser alma erguida e depois derrubada e nem ficam vestígios, só fica a palavra.
Assim nunca ficaremos sós...

Herético

Estou aqui sem saber nada:
Homem estátua de palavra ausente,
besta parada e incoerente
em não-trânsito para lugar nenhum.

Evoco o que nunca sonhei:
Tento encontrar um sentido,
uma brisa de senso, um porto de abrigo,
mas só encalho no lugar comum.

O que será que faço aqui,
embrulhado na história
das façanhas dos outros?
…………………………………
Já me apercebi não ser eu daqui:
O meu olhar é outro
e outra é a minha crença!


Quando as coisas não fazem sentido, quando nos sentimos fora dos outros, talvez olhando dentro de nós e assumindo o que somos e o que pensamos cheguemos a um qualquer renascimento...
Mas sempre transgredindo, porque é da transgressão, do sacrilégio, da heresia, que nascem os caminhos que nos conduzem pelo futuro.


Alabastro

Quando só se rasteja pela dor
de não ter feito o que era certo,
pode invocar-se o amor
mas só se nos depara o deserto…


Pois é, o tempo não volta atrás e o que foi feito, de mal ou bem, não é remissível pela nossa vontade...

domingo, março 07, 2004

Quem nunca...

Put it on
And don't say a word
Put it on
The one that I prefer
Put it on
And stand before my eyes
Put it on
Please don't question why

Can you believe
Something so simple
Something so trivial
Makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Put it on
I can feel so much
Put it on
I don't need to touch
Put it on
Here before my eyes
Put it on
Because you realise
And you believe

Something so worthless
Serves a purpose
It makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Blue Dress - Depeche Mode in "Violator"


Quem nunca sentiu isto por uma mulher, ou algo semelhante em algum momento da sua vida, é quase de certeza rabeta (ou tão estúpido e bócó que vai dar no mesmo!).

segunda-feira, março 01, 2004

Clube de Combate

Quero esmagar as trombas à realidade! Afundar-lhe os malares com um murro bem dado! Talvez assim, ferida de morte, me largue e me deixe ser o que quero, quando quero, onde quero...
Mas será que voltando as costas a tudo o que nos parece supérfluo encontraremos o que vale na vida? Ou deparar-nos-emos apenas com o nada, a ausência, porque as nossas pobres e normais vidas mais não comportavam do que coisas sem importância, pechisbeque materialista e paixões bem comportadas, com cama, mesa e roupa lavada, das 9 às 5, com direito a subsídio de férias e 13º mês?
Como podemos ser Tyler Durden's se estas dúvidas nos assaltam? Ninguém quer assumir o risco - o preço pode ser demasiado alto.
Ah, mas que satisfação sentiria se pusesse a realidade KO! Nem que fosse por um mísero minuto...
Já é tarde. É melhor ir dormir porque a realidade amanhã tem de ir trabalhar.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?